
Na primeira metade da década de 1950, a Varig conseguiu autorização do DAC - Departamento de Aviação Civil, para operar uma linha para Nova York, que seria sua primeira linha internacional fora da América do Sul. Ao escolher o equipamento, resolveu adquirir aeronaves pressurizadas, de última geração, e escolheu os mais modernos aviões então oferecidos no mercado, os Lockheed L1049 Super Constellation.
O Super Constellation era uma evolução do já conhecido Lockheed Constellation, operado aqui no Brasil pela Panair, mas com fuselagem alongada, maior autonomia, motores Wright R3350 TC18 de 3400 HP de potência e hélices reversíveis Curtiss Eletric. Nessa época, eram as mais avançadas aeronaves equipadas com motor a pistão do mercado, junto aos Douglas DC-7, numa época que os jatos comerciais ainda engatinhavam e enfrentavam problemas até então desconhecidos.
A Varig adquiriu, então, três aeronaves Lockheed L-1049E Super Constellation, c/n 4582, 4583 e 4584, que seriam matriculados no Brasil como PP-VDA, PP-VDB e PP-VDC, respectivamente, com entrega prevista para o início de 1955. Esses aviões nunca foram entregues, pois a encomenda foi mudada, depois de algum tempo, para três aeronaves modelo L-1049G-82, originalmente destinados à Qantas, da Austrália, e mais avançados, sendo que o primeiro, c/n 4610, foi entregue, novo, em 03 de maio de 1955, e registrado como PP-VDA em 27 de setembro de 1955. Em rápida seqüência, chegaram as aeronaves c/n 4611, entregue em 18 de junho de 1955 e registrado como PP-VDB em 11 de outubro de 1955, e c/n 4612, entregue em 27 de junho de 1955 e registrado como PP-VDC em 27 de setembro de 1955.

A introdução dos Super Constellation representou uma enorme evolução para a Varig, que até então operava antigas aeronaves vendidas como sobras da Segunda Guerra Mundial, os Douglas DC-3 e os Curtiss C46, não pressurizados e com sistemas muito simples. Com os Constellations, pressurizados e equipados com sistemas mais complexos, operando voos internacionais, foi preciso mudar toda um filosofia de operação. Todos os funcionários, tripulantes ou não, envolvidos na operação, precisavam conhecer Inglês, até então totalmente dispensável, e lidar com sistemas e filosofias totalmente desconhecidas na empresa de então.
O primeiro Super Constellation, o PP-VDA, veio ao Brasil em maio de 1955, com um esquema de pintura totalmente novo, que foi usado, com algumas modificações, por todos os aviões da Varig, até a década de 1990. Tal esquema foi mostrado ao público e à imprensa em um voo rasante do PP-VDA na sua chegada em Porto Alegre, onde ficou exposto à visitação dos funcionários, autoridades, imprensa e até a alguns populares.

Os voos para Nova York teriam luxos e requintes nunca vistos na aviação brasileira até então. Apenas 54 assentos seriam disponíveis, 15 de classe econômica e 39 de primeira classe. o serviço de bordo seria de primeira linha, considerando o alto preço das passagens. O Presidente da Varig, Ruben Martin Berta, chegou a pedir que os tripulantes tentassem fazer churrasco em voo (considerando a origem gaúcha do presidente), mas isso se demonstrou impraticável numa aeronave pressurizada e com circulação de ar controlada.
Os pilotos e outros tripulantes técnicos foram treinados, pela primeira vez, em simuladores de voo, em Porto Alegre, conceito que seria adotado para, praticamente, todas as aeronaves operadas a partir de então, principalmente os jatos. Quase todos tiveram alguma parte do treinamento feito nos Estados Unidos.
O primeiro voo regular para Nova York decolou em 02 de agosto de 1955. As três aeronaves iniciais não eram equipadas com tip-tanks, que eram opcionais, e nem com radar, possuindo um nariz “curto†característico. Os vôos começavam no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e escalavam no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, Belém, Port of Spain, em Trinidad-Tobago e Ciudad Trujillo (atual Santo Domingo), na República Dominicana, pousando finalmente no Aeroporto de Idlewild, atual JFK, em Nova York. Passageiros que vinham de Porto Alegre vinham com os Convair 240 até Congonhas e depois embarcavam nos Constellation, mas, eventualmente, como esses aviões faziam toda a manutenção mais pesada em Porto Alegre, saiam de Porto Alegre direto nos Constellation.
Nem sempre os voos eram pontuais. O avião tinha vários tanques de combustível, abastecidos um de cada vez, por gravidade. A logística de abastecimento era bem complicada, e exigia vários operadores trabalhando simultaneamente. Trocas de conjuntos moto-propulsores (motor e hélice) não eram incomuns, e isso podia atrasar os voos em várias horas. A Varig teve que fazer um pesado trabalho de adaptação das tripulações e do pessoal de terra para operar aeronaves tão sofisticadas. Os mecânicos, pilotos e comissários foram, todos, obrigados a aprender inglês. Foi para os Constellations que a Varig contratou as primeira mulheres como comissárias. Sim, pois, até então, somente homens atuavam nessa função. Como os aviões tinham poltronas-leito, não seria conveniente que mulheres ou crianças fossem atendidos, quando iam dormir, por homens, e as primeiras comissárias foram admitidas, muito a contragosto, por sinal, em uma empresa tão conservadora.
Em fevereiro de 1958, a REAL adquiriu três aeronaves L1049H, que receberam as matrículas PP-YSA, PP-YSB e PP-YSC, posteriormente complementadas,em 1960, pelo PP-YSD. A REAL aproveitou-se da designação L1049H, e fez uma campanha de marketing agressiva (para a época), alardeando que suas aeronaves eram mais avançadas que os L1049G da Varig, e pintando a expressão “Super H†nos tip tanks. Na verdade, a única diferença entre os dois modelos era a presença de uma porta de carga e de um piso reforçado nos modelos H, e não havia diferenças no desempenho e conforto dos passageiros. O Presidente da Varig, Ruben Berta, convocou seus diretores, para rebater essa “Guerra de Letrasâ€...

Um contínuo da Varig, em Porto Alegre, torcedor do Internacional, deu um palpite bastante feliz: já que o avião fazia voos internacionais, porque não escrever “Internacional†nos tip tanks, ressaltando a letra I. O passageiro voaria no “Super Iâ€, mais “avançado†que o “Super H†da REAL! Ruben Berta gostou da ideia, mas a modificou um pouco: alterou a palavra para “Intercontinentalâ€, ao invés de “Internacionalâ€, para evitar o vínculo direto com o time de futebol, mas manteve as letras em vermelho, em consideração ao autor da ideia. A palavra “Intercontinentalâ€, em vermelho, foi utilizada até nos últimos MD-11 pintados no esquema antigo de pintura da Varig, que, por sinal, foi mostrado pela primeira vez em público em um espetacular rasante do PP-VDA, em Porto Alegre, no dia 03 de maio de 1955.

Tip tank do PP-VDF
O conforto e o serviço de bordo oferecido pela Varig nos Constellation jamais foram igualados depois, em qualquer tempo. A Varig oferecia apenas 15 assentos de Classe Turística, que ficavam na parte da frente do avião, rebaixada em relação ao restante do avião, em 5 x 3 fileiras (3 do lado direito e 2 do lado esquerdo). Dois lavatórios vinham logo atrás, seguidos de 28 assentos dispostos em 4 x 7 fileiras, dois a dois. Uma sala de estar (lounge), com bar e assentos giratórios, vinha a seguir, seguidos por mais 10 assentos de primeira classe, 4 fileiras 2 a 2, seguidos de uma única poltrona, individual, do lado esquerdo. Total: 54 passageiros. Isso explica, junto com o altíssimo consumo de gasolina e o alto padrão do atendimento, o preço da passagem, em valores de 1955, trecho Rio-NY: US$ 386,00 Y e US$ 460,00 F. Em valores atuais, de 2015, isso seria equivalente a US$ 3420, para a classe econômica, e US$ 4.076, para a primeira classe, só de ida. Até hoje, são valores exorbitantes, e eram muito mais, na década de 1950, só ricos tinham acesso.
A era de ouro dos Super Constellation durou pouco. Por volta de 1958, a rota para Nova York era operada a partir de Buenos Aires, Montevideo e Porto Alegre, operando Convair 240 até CGH e L1049G até Idlewild. Em 1959, a Varig introduziu dois jatos franceses Caravelle na rota, os primeiros jatos comerciais a operar em um empresa brasileira. Dos 4 vôos semanais, 2 eram feitos com Constellation e 2 com Caravelles. Embora os Caravelles tivessem pouca autonomia, e fossem obrigados a fazer as mesmas escalas dos Constellation, e menos confortáveis, a velocidade maior fez muita diferença.
Quando a Varig recebeu, em meados de 1960, os primeiros Boeing 707-441, capazes de voar do Rio a Nova York sem escalas em menos de 10 horas, os Constellation foram quase totalmente retirados da rota, e passaram a fazer voos domésticos de longa distância ou de alta densidade, e rotas internacionais mais curtas. O último voo de passageiros do Constellation para Nova York ocorreu em 29 de janeiro de 1962 e, a partir daí todos os aviões foram colocados a venda, e estacionados em Porto Alegre e Congonhas. Infelizmente, com exceção do PP-VDF, os L1049G da Varig jamais voltariam a voar novamente.

[Fonte]